21 de fevereiro de 2006

Urgência de Saúde em Mangualde (II)

Sobre o meu artigo anterior, entendeu o Sr. Dr. António Jorge Barroso colocar um comentário, aliás dois, que aqui reproduzo depois de devidamente conectados.

O Sr. Eng.º Agnelo foi-se embora, depois de pôr duas questões; estava no seu direito, claro. Mas que o seu esclarecimento ficou incompleto lá isso ficou.
Por isso, venho tentar clarificar algumas mistificações no post do dono do blog; assunmi - na medida em que não exerço, nem pretendo exercer cargo político, nem para tal ter qualquer apetência - que, enquanto técnico de saúde com algumas responsabilidades no processo da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, tenho o dever de, procurar esclarecer o que se está a tentar fazer.
Aos cidadãos - àqueles que efectivamente querem ser esclarecidos, que os que presumem já tudo saber e cujo interesse é outro, sei que tentar que ouçam seja o que for é provavelmente inútil - me dirijo e me dirigirei em todas as oportunidades.
Não faço ao Sr. Eng.º Agnelo a desfeita de o incluir no grupo destes últimos - por isso venho a este espaço.
Com a mesma abertura de espírito com que estive na sessão pública do dia 18.
Em primeiro lugar uma correcção: a sessão ou debate foi muito mais do que uma troca de ideias sobre o futuro do SAP em Mangualde. E o Sr. Eng.º, que esteve presente durante a minha intervenção inicial, sabe-o perfeitamente; também é verdade que não esteve até ao final...
Mas vamos ao texto do seu post e permita-me que comente algumas citações explícitas do mesmo:
1. "O encerramento do SAP de Mangualde" - ou ouviu mal, ou não percebeu nada, ou então não sei...; nunca niguém disse que o dito SAP vai encerrar! A única medida de encerramento possível - e que, foi bem frisado, só poderá suceder quando existir melhor alternativa - é durante o período entre as 00 e as 08 H, de cada dia;
2. Dou de barato a sua tentativa de ironizar sobre o "call center" - fica-lhe mal, Sr. Eng.º! O Sr., por dever de ofício, melhor do que ninguém deveria saber reconhecer o enorme potencial das actuais e futuras tecnologias da comunicação e o valor acrescentado que elas trarão à qualidade de vida e à segurança (em todos os domínios) dos cidadãos! Deveria conhecer o que já se faz em todo esse mundo desenvolvido a que dizemos querer pertencer, neste domínio... E, p.f., não me venha contrapor os perigos que também existem e que conhecemos - seria demagogia barata: não é por causa do perigo dos acidentes que deixamos de andar de automóvel!
3. Mais grave, porque espelhando um nível de desatenção imperdoável, ou uma atenção tão selectiva que o impediu de entender toda a mensagem é o que passo a citar: "A implementação do sistema Golden Hour, de cumprimento obrigatório, que, como o próprio nome indica, assegurará que, no prazo de uma hora, nada de mau acontecerá ao doente urgente." Francamente, um dislate destes não é digno de si! Primeiro, a "Golden Hour" não é nenhum "sistema"! É apenas um dos vários critérios, internacionalmente usados, para medir boas práticas no encaminhamento de doentes acometidos por uma situação clínica de urgência médico-cirúrgica. Se o Sr. Eng.º tivesse estado atento ao que se disse, saberia que, não sendo a "golden hour" um "sistema", as suas insinuações são de menoridade e mau gosto atrozes.
Qualquer doente urgente, desde que a cargo de uma rede idónea, é sempre acompanhado desde o início, durante a avaliação e, obviamente, durante o tratamento, por profissionais capazes de atempadamente detectarem qualquer evolução adversa do seu estado (no limite, a passagem para uma situação de emergência) actuando em conformidade.
Por isso, não tente o Sr. Eng.º fazer humor à custa da inteligência dos seus leitores e, pior!, não brinque com coisas muito sérias.
Finalmente, é importante que se saiba que existindo este limite teórico da "hora de ouro", quem está a trabalhar na construção da nossa primeira Rede Nacional de Urgência está a usar critérios que reduzem, em geral, este tempo para muito menos!
4. Mas vamos finalmente ao cavalo de batalha do Sr. Eng.º, que lhe merece pungentes queixas de que não lhe deram a devida resposta.
Mais uma vez, se acaso tivesse estado atento às palavras que lhe dirigiu o Dr. Germano, teria percebido tudo...
Inquere o Sr. Eng.º: "Será que algum destes utentes, acometido por doença súbita e grave, não faleceu nem ficou inválido pelo simples facto de ter sido atendido no SAP?", referindo-se ao período das 00 às 08 H, mas aceitando nós que a questão seja alargada a todo o tempo do seu funcionamento!
Pergunta capciosa, com que o Sr. Eng.º porventura imaginará ter caçado algum rato!
Contra a sua malícia apenas temos a opor total sinceridade: não podemos responder-lhe com segurança! Estas questões, de natureza técnica bastante complexa, não são resolúveis à escala de um único serviço; mas podemos garantir-lhe que os estudos nacionais e internacionais realizados sobre este tipo de questões são formais nas suas conclusões: pretender tratar situações urgentes ou emergentes em serviços que não estão para tal vocacionados nem preparados aumenta a mortalidade e a morbilidade secundária grave!
Na comunidade médica ninguém duvida disto e, por ser um conceito tão cristalinamente evidente, ele é igualmente percepcionado correctamente pelo público em geral!
Trata-se de uma questão técnica!
São numerosos e catastroficamente elucidativos, entre nós e no mundo, os exemplos do que pode suceder quando se manipulam questões técnicas para as tranformar em questões políticas!
Os profissionais do CS de Mangualde nunca o farão!
Vai fazê-lo o Sr. Eng.º Agnelo?
Vai fazê-lo, guiada por uma vesga interpretação dos "interesses dos munícipes", a Câmara M. Mangualde?
A verdade e o bom senso têm a inelutável teimosia de virem sempre ao de cima! E quando tal acontece há que pagar as contas (neste caso médico-legais e políticas).
Está o Sr. Eng.º preparado para pagar a sua parte?

António Jorge Barroso 21.02.06 - 5:52 am

Ao que respondo:

Caro Dr. António Barroso,

Tomei boa nota da sua participação neste meu espaço. Tenho, contudo, alguns reparos a fazer. Assim:

  1. Eu é que decido quando estou, ou não estou, esclarecido. Ninguém pode decidir por outro. Só por presunção. Trata-se de uma competência do próprio que não é delegável.
  2. Neste caso concreto, fiquei completamente esclarecido quando foi referido que (1) as condições de funcionamento do SAP no período 00 – 08 horas não diferem das do período 08 – 24 horas, o torna irrelevante debater apenas o encerramento no primeiro dos períodos, e, (2) que o Centro de Saúde de Mangualde “não pode nem deve” ter melhores condições para atender doentes urgentes.
  3. Este último aspecto é, de resto, central para o esclarecimento. Eu poderia admitir o “não pode” – nomeadamente por razões económicas – mas não consigo compreender o “não deve”. É que este “não deve” afasta-nos de um quadro limitativo. Já não é um constrangimento que nos impede de reequipar o Centro de Saúde. Já é uma questão conceptual. Já traduz um quadro de intencionalidade. O que, como concordará, é sumamente esclarecedor.
  4. Foi, aliás, fruto do meu completo esclarecimento, que tive o cuidado de aqui escrever que “o encerramento do SAP de Mangualde, quando for efectuado, será precedido de duas medidas complementares, as quais se traduzirão num significativo aumento da qualidade do atendimento dos utentes”. Asserção tão certeira que é o próprio Sr. Dr. Barroso que, também agora, aqui a vem confirmar no comentário que escreveu.
  5. Em nenhum momento introduzi qualquer componente politico/partidária. Nem durante as intervenções que tive no debate, nem no espaço deste blog. Considero que a importância deste assunto exige que ele seja tratado acima dessa dimensão. Por isso não a introduzi. Ao contrário, diga-se, daquela que foi a posição dos oradores quando leram extractos de um comunicado do Partido Socialista, ou quando atacaram o Senhor Presidente da Câmara por um alegado lapso na utilização das muitas siglas introduzidas (UBU / USF). Considerei eticamente reprovável a atitude, abjecta mesmo, mas não me manifestei. Não retorqui. Aguentei estoicamente.
  6. Em nenhum momento me permiti fazer juízos de valor sobre a idoneidade profissional, pessoal ou intelectual de qualquer dos intervenientes. Não faz parte da minha maneira de estar na vida. Não fiz apreciações sobre as capacidades de audição, de atenção ou de percepção, de quem quer que seja, não passei atestados de menoridade a ninguém e não conjecturei sobre o carácter das intenções de alguém. Nunca desço ao nível do insulto, o qual considero a arma dos que não têm argumentos. Não conte comigo para coisas dessas.
  7. Mas conte comigo para o humor. Conte comigo para a ironia. Conte comigo para a boa disposição. Para a paródia sã sem ofender quem quer que seja. Para tratar “a brincar” coisas “muito sérias”.
  8. Foi neste contexto que glosei a hipotética futura publicação em suporte legal do "decreto regulamentar" da “golden hour” (que já tinha previamente estudado). Mas o Sr. Dr. Barroso não compreendeu... Se eu tivesse jeito para o desenho, teria feito um “cartoon”. Mas, à semelhança dos famosos “cartoons”, poderia sempre haver quem o considerasse como blasfémia…
  9. Finalmente, e no que diz respeito à minha pergunta, a tal que o Sr. Dr. classificou de “capciosa” e “maliciosa”, e com a qual, alegadamente, pretenderia eu “caçar algum rato”, deixe-me dar-lhe conta de quanto foi errada a sua interpretação. Não é nada disso. A pergunta é absolutamente legítima, cristalina e fundamental. Toda a discussão sobre esta matéria se centra nesta questão. E deixe-me dar-lhe a garantia que não fiz por qualquer motivação política. Nada disso. Trata-se de uma preocupação do utente Agnelo Figueiredo, preocupação que, estou convicto, é partilhada pela generalidade dos utentes. “Será que o nosso SAP evitou que alguém morresse ou ficasse incapacitado?” É esta a única questão que interessa. Todo o resto decorre da necessária resposta. Só depois de sabermos a resposta poderemos passar a outro nível. Só depois poderemos avaliar se é um serviço caro ou não; se há alternativas que ofereçam melhor qualidade a menor custo; se a tecnologia da comunicação será viável e produtiva, etc. Mas o Sr. Dr. Barroso continua a não dar qualquer resposta objectiva. Continua a deixar pairar a dúvida... E eu continuarei a aguardar… E não tenho qualquer receio em abordar questões “de natureza técnica bastante complexa”. Estou preparado para as debater. Mas, como é óbvio, só se pode debater aquilo que é apresentado...
  10. Gostaria de comentar os dois últimos parágrafos, mas não os entendi. Aquela questão do pagamento das contas “médico-legais e políticas” é algum “aviso”?

Agnelo Figueiredo

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