15 de janeiro de 2006

O "corte cego" do Orçamento das Juntas de Freguesia

Durante a discussão do Plano e Orçamento do Município de Mangualde, foi posta a circular a ideia de que as Juntas de Freguesia (JF) seriam penalizadas, já que a Câmara Municipal (CM) lhes iria cortar 50% das suas receitas orçamentais. Posteriormente, a mesma ideia circulou por aí, nomeadamente em alguns blogs, pretendendo levar os leitores a acreditar que as Juntas seriam as sacrificadas por erros do executivo.
Ora, esta ideia assenta numa falsidade. Na realidade, a Câmara não “roubou”, nem vai roubar, nenhuma verba que devesse pertencer às JF. De resto, as fontes de financiamento das JF são alheias à CM. Mas passemos aos factos:

Das competências

As competências dos órgãos dos municípios e das freguesias foram estabelecidas pela Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, a qual pode ser consultada, por exemplo, aqui.
Da leitura do articulado legal, nomeadamente dos artigos 34º e 64º, resulta evidente que é à Câmara Municipal que cabe a maior fatia de responsabilidade na prestação de serviços públicos e na promoção das iniciativas que concorram para a melhoria da qualidade de vida dos munícipes.

Do protocolo

Ora, é exactamente neste contexto que tem especial acuidade o artigo 66º da Lei em apreço, o qual postula que “A câmara, sob autorização da assembleia municipal, pode delegar competências nas juntas de freguesia interessadas, mediante a celebração de protocolo, onde figurem todos os direitos e obrigações de ambas as partes, os meios financeiros, técnicos e humanos e as matérias objecto da delegação”, especificando, também, as competências delegáveis, as quais aqui se transcrevem:
a) Conservação e limpeza de valetas, bermas e caminhos;
b) Conservação, calcetamento e limpeza de ruas e passeios;
c) Gestão e conservação de jardins e outros espaços ajardinados;
d) Colocação e manutenção da sinalização toponímica;
e) Gestão, conservação, reparação e limpeza de mercados retalhistas e de levante;
f) Gestão, conservação e reparação de equipamentos propriedade do município, designadamente equipamentos culturais e desportivos, escolas e estabelecimentos de educação pré-escolar, creches, jardins-de-infância, centros de apoio à terceira idade e bibliotecas;
g) Conservação e reparação de escolas do ensino básico e do ensino pré-escolar;
h) Gestão, conservação, reparação e limpeza de cemitérios, propriedade do município;
i) Concessão de licenças de caça.


Tem sido com base nesta possibilidade legal que a CM de Mangualde, anualmente e desde 2000 (salvo erro), tem vindo a propor às JF a assinatura de um protocolo de transferência de competências, proposta que tem vindo a ser aceite por todas as Juntas do Concelho. É através da assinatura do referido protocolo que uma determinada JF aceita desenvolver acções que, legalmente, são da competência da CM, recebendo, como compensação, um determinado valor monetário.
Para melhor compreensão desta questão do “protocolo”, importará referir que:
  1. Para o conjunto das 18 freguesias, os meios financeiros afectos a esta delegação de competências totalizaram, em 2005, o valor de 598.557,49 €;
  2. No caso da Freguesia de Mangualde, como mero exemplo, as competências delegadas foram:
    a) Conservação e limpeza de valetas, bermas e caminhos;
    b) Conservação, calcetamento e limpeza de ruas e passeios;
    c) Gestão e conservação de jardins e outros espaços ajardinados;
    d) Colocação e manutenção da sinalização toponímica;
    e) Gestão, conservação e reparação de equipamentos propriedade do município, designadamente equipamentos culturais e desportivos;
    f) Conservação e reparação de escolas do ensino básico e do ensino pré‑escolar;
    (excluindo-se as reparações estruturais profundas (as que ultrapassem 8% dos montantes atribuídos) que permanecem a cargo do Município, encarregando-se os Serviços Técnicos do acompanhamento e controlo da sua execução)

Importa, agora, precisar o seguinte:

  1. A delegação de competências não é obrigatória;
  2. O protocolo apenas é assinado quando for vantajoso para ambas as partes;
  3. Se uma dada JF decidir não assinar o protocolo, as responsabilidades nele previstas continuarão a ser da CM, a qual, para lhes fazer face, disponibilizará os seus próprios recursos.

Dos subsídios

Independentemente das verbas relativas às competências delegadas, as JF, no exercício das suas atribuições, têm vindo a propor à CM a realização de obras que consideram relevantes para as respectivas populações. Em determinadas circunstâncias, em vez de solicitarem a realização de obras, as JF pedem que lhes sejam atribuídos subsídios que lhes permitam a realização das mesmas. A atribuição destes subsídios é da competência da CM, a qual tem vindo a deliberar “atribuir o subsídio pedido a liquidar logo que possível”.
Acontece que, por dificuldades de tesouraria, o montante de subsídios atribuídos e não pagos às JF atingia, no final de 2005, um montante muito próximo dos 600 mil euros.

Do orçamento

As palavras-chave que nortearam a elaboração do Orçamento de 2006 foram: racionalização, optimização, contenção e equilíbrio financeiro. Nesta lógica, veio a constatar-se que os compromissos em curso e aqueles que, por força de contratos-programa e financiamentos comunitários, serão assumidos durante o ano – nos quais pontifica, de sobremaneira, a “revolução viária” –, não permitiam a inscrição orçamental das verbas necessárias ao pagamento dos subsídios já atribuídos, concomitantemente com as que derivavam da delegação de competências nas JF (1,2 milhões de euros). Em conformidade, foi proposto às JF (1) a redução em 50% das verbas do protocolo, com a correspondente redução das competências a delegar, e (2) o pagamento em dois anos dos subsídios em dívida, o que acabou por ser consensualizado.

Síntese

1 - Continua a haver competências da CM delegadas nas JF, embora menos que no ano anterior;
2 - Os montantes financeiros do protocolo foram diminuídos na exacta medida da redução das competências delegadas;
3 - As competências não delegadas não oneram o orçamento das freguesias, antes sendo da responsabilidade da CM;
4 - Dentro de dois anos os subsídios estarão pagos e as competências a delegar poderão ser revistas;
5 - Tanto quanto julgo saber, apenas uma das 18 JF terá manifestado a intenção de não assinar o respectivo protocolo em 2006.

Conclusão

Não é grave que uma ideia falsa seja difundida por quem está convencido de que ela é verdadeira, já que, descoberto o logro, se retratará. Inaceitável é quando um homem sabe que o que está a dizer é falso e persiste na falsidade.

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